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A Pirataria, a Incompetência Empresarial e uma Solução Jurídica Original

Posted on 10/03/2016. Filed under: Administração, Filosofia, Finanças, Música, Política | Tags:, , , , |

Recentemente um órgão internacional de proteção aos direitos autorais revelou que o Brasil era o segundo país onde mais se baixa ou se utiliza, irregularmente, conteúdo protegido, atrás apenas dos Estados Unidos.

Parece que o maior problema seria com games, segundo eles.

Eu não vou “chover no molhado” discutindo a moralidade, legalidade ou as implicações da atitude de usar conteúdo protegido sem pagar, ou pagando muito pouco. Não é o objetivo desse artigo.

Pretendo sugerir que a legislação atual, que criminaliza de forma direta e objetiva a atitude da pirataria, é contraproducente e atrapalha demais o desenvolvimento dos mercados de direitos autorais.

 

A incompetência empresarial

Temos um modelo de entendimento a respeito do mundo empresarial e financeiro extremamente equivocado.

O fato de alguém ser rico, bem sucedido, não faz dele, necessariamente, uma pessoa brilhante.

Na maior parte das vezes, as pessoas são ricas porque compram algo por R$ 10,00 e vendem por R$ 20,00. E fazem isso milhares de vezes por mês.

Essa mesma pessoa não estaria apta, só por ter feito fortuna, a opinar sobre estratégia empresarial, desenvolvimento da indústria ou o futuro da nação. Muitas vezes é apenas um bom comerciante, ou teve uma boa formação técnica e ocupa um cargo de destaque em algum grupo empresarial.

Eu compartilho do entendimento de Carl Icahn e outros investidores ativistas dos EUA, de que as Companhias são, na maioria das vezes, geridas de forma pobre, pouco criativa e pouco inteligente. E na maioria das vezes o sucesso vem por acaso.

Infelizmente o recente boom das commodities no Brasil mostrou isso. Dependendo do vento, até tijolo voa. Ventou muito. Pouca gente continuou voando quando o vento acabou. Quase ninguém, nem o próprio país.

A lógica de Icahn, da qual compartilho, é que a vida empresarial no topo tende a ser conservadora, tende a se preocupar, principalmente, em manter o status quo, na marra, com hordas de advogados, se for necessário.

 

O Napster

Creio que o primeiro grande caso que me incomodou foi o da briga da indústria fonográfica com o Napster.

Escrevi sobre isso em 2001 e enviei para a Enanpad, apenas para deixar registrado. No artigo sugiro uma visão de futuro completamente diferente para a época, mas hoje meio óbvia. A seguir, para quem quiser ler em retrospectiva.

Artigo

O Napster foi o primeiro grande sucesso no compartilhamento de arquivos, quando a internet ainda era, praticamente, uma tartaruga discada. Chegou a ter 100 milhões de usuários, o que para o início dos anos 2.000 era um feito e tanto!

A indústria fonográfica viu no napster uma ameaça, eu vi a redenção. Eu vi, com clareza, um modelo que poderia reduzir extremamente a ineficiência da própria indústria.

Indústrias têm objetivos sociais, aqui não falo de filantropia ou responsabilidades socioambientais, falo da tal “razão social”, o que ela agrega à sociedade e o que faz a sociedade pagar por esses benefícios.

A indústria do entretenimento nos traz estímulo sensorial. Nos traz sentimentos, vibração, memórias, amor, raiva e tudo o que aquela música ou filme conseguir despertar no “consumidor de sensações”.

A razão social ERA distribuir e entregar CDs ou DVDs, quando isso exigia parrudos investimentos em logística. Esse ERA o valor agregado. Não é mais e a indústria demorou a ver isso.

O Napster fez coisas incríveis. Fez você consumir esses sentimentos de outra forma. Não precisava mais comprar 10 músicas para ouvir uma. Não ficava à mercê de um sistema de distribuição e de promoção para ouvir uma música “fora de catálogo”, esperando um “The Best Of”. Não precisava gastar horas no rádio tentando gravar sua música antiga favorita.

E o que fez a indústria contra um garoto que, sozinho, revolucionou o sistema de distribuição de sensações?

Bom, dentro do ambiente empresarial a atitude, conservadora, hipócrita e, claro, destruidora de valor, foi iniciar uma guerra jurídica para destruir o Napster.

Não se deve ouvir seu corpo jurídico nessas horas. Não são especialistas nos negócios que defendem e, jamais, irão sugerir algo que lhes tire as “billable hours” do litígio sem fim.

A estimativa à época era de que a indústria gastou alguns bilhões de dólares, e muitos mais adiante, para destruir um modelo que, obviamente, viria a ser vitorioso NA MARRA anos mais tarde. E a indústria, praticamente, quebrou.

 

A guerra jurídica e a destruição de valor

Tenho muitos amigos defensores do liberalismo econômico puro, acreditam que o “mercado” resolverá suas inconsistências.

Tendo a concordar com eles em muitas coisas, mas não concordo que o mercado seja virtuoso a ponto de nos criar SEMPRE mais valor.

Na verdade acho que a evolução é no sentido de gerar valor, mas, muitas vezes, o corpo empresarial, político e jurídico atuam para nos atrasar por décadas.

Lembro-me de dizer várias vezes a um amigo que trabalhava na Microsoft, isso há mais de uma década, que o modelo de negócios estava errado. Não fazia sentido vender software caro, era muito mais inteligente alugar barato.

Até acho que os dirigentes da pequena e mole (Microsoft) sabiam disso, mas a justificativa era essa: “It´s a multi-billion dollar business”. Não se mexe com isso.

Os libertários acreditam na virtude mundo empresarial, para nos levar a um mundo melhor. Lamento, mas o mundo empresarial, na maioria das vezes, só discute quanto tempo mais eles precisam para amortizar seus investimentos.

Talvez pudéssemos, num mundo ideal de concorrência, onde os lobbies, os corpos jurídicos e os empresários jurássicos estivessem em segundo plano, ter carros a hidrogênio ou movidos a flatulência, ter energia gratuita em casa, ter descoberto a cura do câncer e da Aids, entre outras coisas.

Não temos esses benefícios e jamais saberemos se foi por incompetência técnica, ou porque “you don´t mess with a multi-billion dollars business”. Nas planilhas, tem que se usar AZT e gasolina por mais uns 20 anos para pagar os planos de negócios, as TIRs e os VPLs.

Esse é o mundo, desculpem pela franqueza.

Existe um mundo pior, entretanto. Está na Coréia do Norte, em Cuba etc., onde nem os “multi-billion dollars businesses” existem. Existe apenas o Estado.

Agora me desculpo com o “outro lado”, os estatistas. É inacreditavelmente pior assim.

 

Bill Gates e Steve Jobs

Recomendo ler sobre a vida de Steve Jobs. Ele levou sua Apple às alturas com um monte de loucura empresarial. Em determinado momento contratou o “melhor CEO do mundo”, que vendia água com açúcar e corante (Pepsi).

Em pouco tempo o conselho de administração, que representa quem colocou grana no negócio, expulsou Jobs da empresa para implantar um regime trivial de planos de negócios, taxas de retorno e outras tecnicalidades financeiras.

Como disse no início, dependendo o vento até tijolo voa. No caso, o fim do vento foi a demissão de Jobs. Foi taxado de maluco por querer vender um computador que custava US$ 2.000 por US$ 999. E parece loucura, mas em vez de forçar a engenharia a reduzir esses custos, a Apple trilhou o caminho dos burocratas das taxas internas de retorno e quase faliu.

Talvez falisse com Jobs também, à época, se não fosse possível baixar os custos. Mas custos são diminuídos com boa técnica. Genialidade não se encontra em CEOs que seguem a cartilha do Conselho de Administração, sem questionar.

Jobs voltou e, utilizando muito do que o Napster nos ensinou (com o Ipod), levou a empresa a valer mais do que todas as empresas brasileiras listadas em bolsa juntas.

Recomendo também o filme “Os piratas do vale do silício”, que conta a história de Jobs e de Bill Gates. Piratas que hasteavam bandeiras de piratas.

Bill Gates não é bobo. Usou a pirataria para levar a Microsoft ao monopólio do sistema operacional.

Quem usa Windows há 20 anos ou mais sabe que era caríssimo no início. Um pacote Office com Access era quase impagável para uma pessoa física ou para pequenas empresas.

Mas a pirataria de Windows era recorrente, quase a totalidade dos domicílios brasileiros, que tinham computadores, não tinham cópias legalizadas. Chego a afirmar que, mesmo em empresas, a maioria dos softwares era pirata.

Vale lembrar que, na década de 1990, os computadores não vinham com Windows. Não era fácil e barato como hoje.

E o esforço contra isso, por parte da Microsoft, era mínimo, no início, quando o Windows ainda não era o padrão mundial de sistema operacional.

Se Bill Gates tivesse gastado bilhões para destruir essa pirataria inicial, e efetivamente conseguisse garantir que apenas quem comprasse usaria o Windows, COM CERTEZA, outros sistemas operacionais apareceriam e o Windows jamais teria esse monopólio. Provavelmente nem existiria mais.

A pirataria foi a maior aliada de Bill e ele sabe disso. A facilidade de usar Windows e a suíte Office fez com que, naturalmente, as pessoas só soubessem usar isso. As empresas contratavam pedindo conhecimento em: Windows, Excel, Word etc.. Olha que reserva natural de mercado!

Creio que a prova disso é que nem sistemas operacionais gratuitos, ou planilhas gratuitas conseguiram tirar da Microsoft seu monopólio.

Bill, se pudesse, agradeceria a todos os bilhões de piratas que fizeram do Windows o padrão da computação doméstica e empresarial.

 

A pirataria como reguladora da incompetência empresarial no mundo do entretenimento

É claro que, quando você vira um “multi-billion dollar business” você abandona a pirataria e faz contas sofisticadas, para demonstrar que, por exemplo, uma superinovação precisa esperar de 5 a 10 anos para ser lançada, para não prejudicar os produtos atuais.

E assim caminha a humanidade. Refém das taxas internas de retorno, do judicialismo, dos lobbies para afastar a concorrência e esconder a podridão etc..

Parece-me óbvio, muito óbvio, deveras óbvio, que a modelagem atual de consumo legal de conteúdos protegidos, como Netflix, Itunes, You tube etc., existe porque se impôs na marra.

Existe porque a indústria falhou no protecionismo jurídico e policial. Apesar de AINDA tentar combater esses meios, pelos quais a maioria dos seres humanos vê e ouve seu entretenimento sensorial.

O que é um crime?

É o que está tipificado no código penal.

Quando você gravava os discos emprestados de um amigo num K7, ninguém via nisso um crime. Ainda que pudesse ser.

Há alguns anos, se você soprasse um bafômetro depois de 1 copo de cerveja, seria liberado. Se soprar hoje, será processado como criminoso.

Quem define é o legislador. O que era comum há 20 anos, hoje talvez seja crime inafiançável.

Se o Estado quiser, o cidadão jamais conseguirá viver dentro da lei. Você pode ser processado, por exemplo, por pagar um engraxate de 12 anos. Será estímulo ao trabalho infantil.

O Estado precisa entender que não está lá para isso.

Como o legislador poderia proteger os conteúdos e seus proprietários e, ao mesmo tempo, exigir contrapartida empresarial?

Em vez de, simplesmente, dar garantias de uso da força policial e judicial do Estado contra os consumidores irregulares de conteúdo protegido, deveria exigir que a proprietária dos direitos dê a opção de compra, com as mesmas facilidades, para o consumo do conteúdo.

Explico.

Um filme recém-lançado no cinema.

Para ver esse filme há que se consumir vários outros serviços ou produtos. Gasolina, transporte público, estacionamento, salas, ar-condicionado, energia elétrica, projetores, películas, manutenções etc.

Para quem tem filhos, uma ida ao cinema a 2 pode custar fácil 300 reais, entre baby-sitter e esses consumos casados.

Como é evidentemente possível fazer esse conteúdo chegar com qualidade às casas, entendo que os detentores dos direitos só devam estar aptos, juridicamente, a interpelar quem baixa conteúdos irregularmente se houver a possibilidade de compra pelo meio mais simples, sem vendas casadas.

Aos protecionistas, um parêntese.

Dizer que os cinemas poderiam ir à falência NÃO é um argumento razoável, é protecionista e cartorial. Um negócio deve existir porque agrega valor e não porque é a única forma que a lei ou a indústria nos permite para ver um lançamento.

O cinema vencerá, com certeza, por oferecer segurança, telas e sons maravilhosos, um escurinho para abrigar os namorados, uma pipoca, som, enfim, por ser um EVENTO em si, e não pelo protagonismo imposto por um modelo de negócios arcaico.

Voltando ao novo modelo jurídico…

Imagine se os detentores dos direitos autorais fossem obrigados, para poder interpelar judicialmente um consumidor pirata, a oferecer opções de compra, sem venda casada, ou da mesma forma que ele consegue ver em casa.

Tenha certeza de que o streaming de vídeo já seria o que é hoje em 2004, o Netflix e afins seriam hoje, provavelmente, maiores do que a TV aberta e até do que a TV paga. O Youtube seria hoje, o que será apenas daqui a 10 anos.

Poxa, mas isso iria reduzir a rentabilidade de outras indústrias?

Ai, ai, ai! Olha a verve protecionista atacando de novo!

O que não é justo é que o mundo se atrase apenas por conveniência de gente que não quer inovar, de empresários de planilhas e de VPLs calculados para projetos de 10 anos.

Não é justo que se gaste bilhões de dólares em lobbies do atraso e com corpos jurídicos que existem para proteger esse atraso, em vez de criar modelagens que efetivamente agregam valor ao consumidor.

 

Encerrando.

O mundo de hoje é estranho. Há mecanismos claros para que os modelos de consumo de entretenimento sejam revolucionados a cada ano. A cada minuto até.

Mas o que fazemos?

Preferimos criminalizamos 35% da população suíça. Isso mesmo, aquele país com 3 homicídios por ano, 7 roubos, tem cerca de 3 milhões de usuários ilegais de conteúdo protegido.

Esses suíços são uns picaretas! Cadeia neles!

 

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O Brasil está mesmo à beira de um Calote?

Posted on 04/03/2016. Filed under: Administração, Finanças, Política | Tags:, , , , , , , , , |

Primeiro foi a Empíricus a alardear um provável calote nos títulos públicos, por conta do desequilíbrio fiscal brasileiro.

Mas vários outros analistas também indicam, no Brasil e no exterior, que o ritmo de crescimento da relação dívida/PIB seria insustentável e poderia resultar em um possível calote em 2018.

O banqueiro Luiz Cezar Fernandes, ex-sócio do Pactual e do grupo Garantia, foi mais longe e previu, além do calote, uma quebradeira de bancos, inclusive bancos grandes, para 2018.

Antes de continuar, vale ressaltar que esse seria calote clássico, não o “branco” que muitos tem alardeado. É aquele calote em que o governo, simplesmente, para de pagar os juros, ou o principal. Ou, como na época do Collor, promove uma interrupção de todos os pagamentos e sequestro do principal por algum tempo.

Será que esse calote clássico virá?

A turma do “calote branco”.

Há quem defenda que o governo não precisaria chegar a tanto, pois tem como “imprimir” dinheiro e pagar os juros e o principal. Isso levaria ao tal “calote branco”, pois a emissão de moeda geraria inflação, o que reduziria o ganho real dos investidores.

Mesmo quem tem NTNs, atreladas ao IPCA, perderia, pois o imposto também é pago sobre a correção da inflação.

De que adiantaria ganhar 1% ao mês, se a inflação for de 3%?

Será que esse “calote branco” virá?

Qual a probabilidade dos calotes?

Os analistas não estão errados. Mas também não estão inteiramente certos. Subestimam alguns pontos. Em minha opinião.

A dívida pública está mesmo numa rota insustentável. Ela cresce, nominalmente, quase 2,5% ao mês e, em termos de PIB, quase 10% ao ano. Nesse ritmo chegará fácil a 80% de relação dívida/PIB no início de 2018. O professor Pastore acha que chega a 90% no mesmo período.

Engana-se quem julga nossa dívida pequena ao compará-la com a relação dívida/PIB de 243% do Japão ou de outros países desenvolvidos. Eles financiam suas dívidas em moeda forte e com juro praticamente zero. O custo médio da dívida brasileira é de quase 17% ao ano. Uma relação de 80% significa que pagaríamos 13,6% do PIB só de juros. Insustentável. Inacreditável.

Esse calote, a continuar a letargia política brasileira e sem reformas LIBERALIZANTES, infelizmente é possível e até provável. O ritmo brasileiro está ditado por questões policiais e paroquiais. A continuar assim até 2018, não seria surpreendente um discurso demonizando os rentistas para justificar a tungada nos poupadores.

Esse calote definitivamente é possível e, a continuar na toada política atual, lamento que seja até provável.

(Enquanto escrevo vemos o vazamento da delação de Delcídio e a condução coercitiva de Lula. A ver os desfechos, por enquanto voltemos aos calotes.)

Mas e se o governo imprimir dinheiro e soltar a inflação?

Esse caminho, em minha opinião, não existe.

Ou melhor, existe, mas seria muito pior, em todos os aspectos, do que o calote clássico. Pior para todos, inclusive e principalmente para o governo.

O medo, justificável, das pessoas esclarecidas é que a inflação desenfreada pudesse dar folga orçamentária ao governo, nos mesmos moldes do “imposto inflacionário” das décadas de 1970 a 1990. Ou seja, o governo conseguiria financiar suas contas pela corrosão que a inflação imporia aos brasileiros, principalmente aos mais pobres.

E o medo é mesmo justificável, pois essa inflação e a atitude perdulária iriam requerer ainda mais inflação e dinheiro impresso para continuar programas populares (ou populistas, como queiram), necessários para amenizar as perdas das classes menos abastadas e para manter apoio ao governo.

Enfim, retorno aos desequilíbrios pré-Real.

Não creio ser possível.

Até aqui o leitor deve pensar que estou otimista. Mas não é isso.

Eu entendo que o caminho da perdição orçamentária e do remediação populista não existe, pois, infelizmente, levaria o Brasil à bancarrota ANTES do calote clássico.

O sócio de Jorge Paulo Lemann no Garantia está correto quando afirma que o calote clássico geraria uma quebradeira generalizada nos bancos. É razoável crer que, o governo interrompendo o pagamento da dívida, os balanços dos bancos não resistam.

Porém, o caminho da inflação desenfreada levará ao mesmo lugar, mas antes.

Explico e ficará claro.

Aos brasileiros que não acompanham o noticiário financeiro vale comentar que a percepção de que os bancos brasileiros enfrentarão uma onda de calotes privados é generalizada.

Além de um sem número de matérias e opiniões nesse sentido, isso já se reflete no balanço dos bancos e, principalmente, nos preços de mercado.

Desde que acompanho o mercado, tem quase 14 anos, não me lembro de ter analisado Bradesco e Itaú em patamares tão baixos de índice preço/lucro. Recentemente vi Bradesco a P/L 5,5. É históricamente 60% mais baixo do que a média.

Por que estão baratos com lucros crescentes?

Ricardo Knoepfelmacher, maior gestor de crises do mercado brasileiro, afirmou em uma entrevista recente que sumirão dos balanços dos maiores bancos privados entre 150 e 200 bilhões de reais de dívidas corporativas, entre 2016 e 2017. Ver aqui.

Um misto de hiperendividamento, má gestão e falta de crescimento econômico, além de questões externas ligadas a commodities, o faz crer nesse quadro.

Creio que o noticiário sobre dívidas de empresas como Oi, Usiminas, Petrobras, Sete Brasil entre outras, deixa claro que a preocupação de Ricardo Knoepfelmacher não é em vão.

Segundo ele, não haveria problemas em bancos grandes, já os pequenos e médios, poderiam ter problemas. O Jornal O Globo publicou uma matéria recente sobre os péssimos resultados dos bancos médios. Há 19 bancos com prejuízos nos últimos 2 anos. Isso é muito diferente da realidade de Bradesco, Itaú e BB. O governo parece saber desse perigo, tanto que reeditou a medida que permite aos bancos públicos comprarem carteiras de bancos pequenos.

Todos sabem o que está acontecendo. Tudo o que disse é de conhecimento público.

Por que, então, não haveria como consertar os déficits do orçamento público pelo “calote branco”?

Ora, por um motivo simples.

O que é inflação? É perda de poder aquisitivo.

De que vivem as empresas endividadas? De onde vêm suas receitas? Exceto as puramente exportadoras, as receitas vêm do consumo das famílias (e do governo).

A inflação invade os orçamentos domésticos e vai “expulsando” todos os gastos supérfluos, inicialmente. Após isso, as famílias começam a invadir suas poupanças. Quando não há poupança, ou quando essa termina, as famílias escolhem o que não pagar.

Creio que o noticiário deixa isso claro.

Em 12 meses, 1 milhão de pessoas retiraram os filhos de colégios particulares, outro milhão e meio abandonaram os planos de saúde. É recorde de inadimplência em condomínios, contas de luz, prestação dos carros etc.

E se os itens essenciais dispararem, por conta desse “dinheiro impresso” pelo governo?

Será que as famílias, na maior crise econômica da história brasileira, conseguiriam reajustes salariais expressivos para repor seu poder de compra? Como, se nem emprego parece haver? Como, se os salários estão sendo negociados para baixo, por conta das novas regras aprovados pelo governo (reduzir carga horária e salário)?

Hoje, não há qualquer espaço de manobra nos orçamentos das famílias, e em suas poupanças, para acomodar com pouca “dor” uma inflação descontrolada.

Se a inflação invade o orçamento para necessidades básicas, as pessoas deixam de pagar outras coisas. O carnê das casas Bahia, do carro, as dívidas bancárias etc.

Isso significa que, além do calote das pessoas físicas, os bancos terão que encarar o das pessoas jurídicas, que vivem, essencialmente, da venda dos produtos às famílias e ao governo (que também está sem dinheiro).

E não estamos num momento confortável. Não há qualquer espaço nos balanços das empresas, e dos bancos, para suportar qualquer choque de (falta de) demanda ou de inadimplência.

E, claro, não há espaço orçamentário no governo para salvar ninguém.

O “calote branco”, infelizmente, anteciparia os efeitos do calote clássico e não resolveria o problema orçamentário do governo. A economia colapsaria antes.

Em 1980 e 1990, nós tínhamos inúmeros mecanismos para amenizar a perda de poder aquisitivo imposta pela inflação de 20% ao mês.

Hoje, não há qualquer mecanismo para proteger os orçamentos das famílias.

Inflação alta no curto e médio prazos significaria, nas condições de hoje, calote em efeito dominó. Falta de dinheiro das famílias gera inadimplência civil, inadimplência empresarial e, por fim, inadimplência do estado.

Se alguém no governo imagina que seja uma solução, é melhor esquecer. Não é.

É uma questão de timing. Para uma economia se “acostumar” com uma ciranda inflacionária “redentora” das contas públicas, leva tempo. Não menos do que 3 a 4 anos. Foi o tempo que a Argentina levou para estabelecer gatilhos salariais e outros instrumentos para lidar com inflação de 30% ao ano (a real).

Mas a inflação elevada nos próximos meses, dadas as condições de endividamento das famílias, de queda severa na atividade econômica e da falta de perspectivas no campo político, tenderá ase transformar numa sucessão de calotes, bem antes desses 3 anos. Entre 12 e 18 meses, sendo otimista.

O ideal, hoje, seria deflação, para abrir espaço para mais consumo e quitação de dívidas nos orçamentos familiares.

Não é impossível. Até porque o consumo deve reduzir ainda mais, o que poderia pressionar os preços para baixo.

Seria um bom ciclo, pois permitiria que o BACEN reduzisse um pouco os juros, aliviando a questão orçamentária.

O que fazer então? O calote é inevitável?

Não, o calote não é inevitável.

É relativamente trivial o que deve ser feito. Reformas liberalizantes. Fim do falido “Estado Empreendedor”. Venda de ativos. Concessões. Redução da burocracia, entre outros itens que todos conhecemos.

Isso já foi dito milhões de vezes. Roberto Campos morreu há mais de uma década, mas ainda continua ficando rouco de tanto nos alertar dos motivos de nossa pobreza.

Seria fácil fazer o certo, mas teríamos que ignorar os apelos corporativistas dos que se locupletam da máquina pública brasileira. Infelizmente há muitos nessa condição de dependentes da máquina estatal. De empresários bilionários a pessoas comuns.

Uma guinada nessa direção, ainda que inicial, mas com compromisso REAL, já permitiria um redirecionamento de capitais estrangeiros, de risco, para o Brasil. Já permitiria, em médio prazo, redução significativa dos juros.

Há US$ 6 trilhões aplicados em taxas de juro negativas no mundo. Dois meses de reformas liberalizantes e de respeito às regras e a Argentina renasceu para o sistema financeira internacional, com a expectativa de investimentos de US$ 80 bilhões nos próximos anos.

Imagine quanto poderia vir para o Brasil, se renegarmos o tradicional Império do almoço grátis e da falta de responsabilidade individual e corporativa (accountability)?

A saída é evidente e, creio, rápida. É só seguir a racionalidade econômica mais simples por alguns poucos meses, e direcionar o Estado para o que ele realmente deve fazer.

Apesar dos slogans nacionalistas tais como “O Petróleo é nosso”, “Petrobras, orgulho da nação”, entre outros, o nosso pacto social NÃO É ESSE.

Nosso pacto social espera, em troca dos penosos impostos, serviços públicos de qualidade na área de saúde, educação, segurança, jurídica e previdenciária.

É o que o brasileiro quer, apesar de ter sido convencido de que quer ser sócio de empresas elétricas, de petróleo, de telefonia etc.

É fácil, é simples. É até rápido.

Só falta, infelizmente, o líder.

Ainda não vi.

Não há político REALMENTE interessado em liberar o Brasil das amarras do corporativismo estatal.

Mas tenho esperança.

Ao menos já sabemos o que é errado. Há inúmeras evidências de nossos erros. Aprendamos, pois.

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  • Disclaimer

    Este blog é um ambiente privado para expor opiniões, estudos, reflexões e comentários sobre assuntos ligados a finanças, bolsa de valores, economia, política, música, humor e outros temas.

    Seus objetivos são educacionais ou recreativos, não configurando sob nenhuma hipótese recomendação de investimento.

    O investidor consciente deve tomar decisões com base em suas próprias crenças e premissas. Tudo que lê ou ouve pode ser levado em consideração, mas a decisão de investimento é sempre pessoal. Tanto na escolha de ações para carteira própria, quanto na escolha de gestores profissionais para terceirização da gestão.

    O Autor espera que os temas educacionais do blog possam ajudar no desenvolvimento e no entendimento das nuances do mercado de ações, mas reitera que a responsabilidade pela decisão de investimento é sempre do próprio investidor.

    Sejam bem vindos!

  • Paulo Portinho

    PAULO PORTINHO, engenheiro com mestrado em administração de empresas pela PUC-Rio, é autor do Manual Técnico sobre o Método INI de Investimento em Ações, do livro "O Mercado de Ações em 25 Episódios" e do livro "Quanto Custa Ficar Rico?", os dois últimos pela editora Campus Elsevier.

    Paulo atuou como professor na Pós-graduação de Gestão Social da Universidade Castelo Branco e na Pós-graduação oferecida pela ANBIMA de Capacitação para o Mercado Financeiro.

    Atuou como professor da área de finanças e marketing na Universidade Castelo Branco e no curso de formação de agentes autônomos do SINDICOR.

    Como executivo do Instituto Nacional de Investidores - INI (www.ini.org.br) entre 2003 e 2012, ministrou mais de 500 palestras e cursos sobre o mercado de ações, sendo responsável pelo desenvolvimento do curso sobre o Método INI de Investimento em Ações, conteúdo que havia chegado a mais de 15.000 investidores em todo o país, até o ano de 2012.

    Representou o INI nas reuniões conjuntas de conselho da Federação Mundial de Investidores (www.wfic.org) e da Euroshareholders (www.euroshareholders.org), organizações que congregam quase 1 milhão de investidores em 22 países.

    Atuou como articulista do Informativo do INI, do Blog do INI, da revista Razão de Investir, da revista Investmais, do Jornal Corporativo e do site acionista.com.br. Foi fonte regular para assuntos de educação financeira de veículos como Conta Corrente (Globo News), Infomoney, Programa Sem Censura, Folha de São Paulo, Jornal O Globo, entre outros.

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