Archive for maio \12\-03:00 2016
A Verdadeira Injustiça Tributária Brasileira não é como você pensa.
Frequentemente reclamamos que a carga tributária no Brasil é alta. Se compararmos a carga tributária com o retorno que nos proporciona, como cidadãos, ficamos mais aborrecidos ainda, pois o resultado é pífio.
Há ainda críticas indicando a necessidade de fazer os mais ricos pagarem mais impostos, para aliviar o peso sobre os mais pobres.
Mas esses números sobre os impostos, tanto sobre a renda quanto sobre o consumo, não explicam adequadamente o peso dos impostos na vida dos brasileiros.
Como entender a “injustiça” tributária no Brasil
Primeiro, esqueçamos, por enquanto, as empresas. Ainda que achássemos que as empresas, por serem “ricas”, poderiam pagar mais impostos (não concordo), esses impostos seriam pagos, direta ou indiretamente por nós, através do consumo e dos preços majorados pelos custos tributários.
Categorias fiscais de brasileiros
Precisamos dividir os brasileiros em grupos, a partir de sua relação com a fazenda pública, para verificar qual a VERDADEIRA carga tributária de cada grupo.
A relação com a fazenda pública é o fluxo de dinheiro entre o indivíduo ou a família e o governo. Não são só impostos. Vejamos.
Grupo 1 – Duplo 100% – Os mais pobres
Qual a carga tributária de quem tem 100% de sua renda proveniente de subsídios do governo e consome 100% do que recebe?
Estou tratando de subsídios, bolsas etc. NÃO trato de aposentadorias, pois entendo que não deveriam estar nessa categoria.
A pessoa que tem 100% de sua renda proveniente do governo e gasta tudo, paga, de volta em impostos, 40% sobre esse consumo. Em média.
Sua carga tributária seria: +40% – 100% = – 60%
Não vou entrar no mérito de multiplicadores econômicos, mas, grosso modo, a relação dessas pessoas com a fazenda pública é positiva para eles, pois têm carga tributária negativa (recebe mais do que paga).
Apesar de ser um grupo grande no Brasil, seu custo (descontado o retorno tributário do seu consumo) não chega a R$ 15 bilhões ao ano. Entre 1% e 1,5% do orçamento público federal.
Podemos até discutir se as bolsas (federais, estaduais ou municipais) desestimulam o empreendedorismo, mas certamente os custos são bem pequenos, em termos orçamentários. NÃO SÃO os mais pobres os que criam transtornos severos aos orçamentos públicos.
Grupo 2 – Grupo 0%-100% CD – Classes C e D em equilíbrio
Esse grupo é aquele que não recebe qualquer subsídio (renda direta) e gasta tudo que ganha.
Nesse grupo falaremos de quem não tem renda suficiente para pagar Imposto de Renda direto na fonte (de forma simplificada, classes C e D)
Seria uma renda familiar entre 2.000 e 4.000 por mês (com 2 pessoas trabalhando).
Essa pessoa/família recebe e gasta 100% da renda.
Parêntese previdenciário!
Veja que não coloco INSS nessa conta, pois entendo que é uma contrapartida da contribuição previdenciária. Quem paga por 35-40 anos 11% do salário (mais o percentual do empregador) poderia receber até MAIS do que o INSS paga, se esse dinheiro fosse investido privadamente.
Dessa forma não vejo sentido em tratar o dinheiro de aposentadoria como “subsídio ou benefício” do governo. Se há desequilíbrio, a CULPA é de quem faz as leis.
Voltando à carga tributária…
Esses brasileiros têm uma carga tributária de + 40%, pois consomem tudo que gastam.
A fazenda pública não lhes dá nada (em termos de subsídio, bolsas etc.) e a carga tributária de 40% sobre o consumo pesa sobre 100% de sua renda, pois gasta tudo o que ganha.
Dos R$ 4.000 ganhos, R$ 4.000 são gastos. Desses R$ 4.000, R$ 1.600, em média, são tributos sobre consumo.
Grupo 3 – Grupo 0%-100% AB – Classes A e B em equilíbrio
Esse é o grupo em que incide o imposto de renda pessoa física e que gasta toda a renda disponível. É a tal classe média alta (classes A e B).
São pessoas com renda bruta média familiar entre R$ 5.000 e R$ 20.000 por mês. Pode até ser maior a renda para estar nesse grupo, desde que GASTEM tudo.
Em média, esse grupo já deixa 20% de sua renda direta para pagar o leão, de forma que gasta os 80% restantes. Desses 80%, 40% são de impostos sobre o consumo (pois gasta tudo). Seriam, sobre a renda total, um percentual de 32%.
Em resumo, o sujeito ganha R$ 10.000 (após INSS), mas só recebe R$ 8.000 e gasta tudo, o que significa que pagará R$ 3.200 de impostos sobre o consumo.
Essa pessoa pagou R$ 2.000 de IRPF + R$ 3.200 de imposto sobre consumo = R$ 5.200.
Sua carga tributária (retirando contribuição previdenciária) é de 52%.
Relembrando que estou tratando como “carga tributária” a relação dessa pessoa com a fazenda pública.
Ela não recebe NADA e paga sobre a renda e sobre o consumo.
Quem mais sofre com os tributos
Esses dois grupos são gigantes (classes ABCD que gasta tudo que ganha), a maioria esmagadora dos brasileiros. São os que mais pagam e, normalmente, pagam 2 vezes, pois têm planos de saúde, escola particular e pagam por segurança privada, seguros caros etc.
Aqui não falo de sofrimento “pessoal”, mas tributário.
Agora vamos falar de grupos com situação mais amena.
Importante! Os grupos superavitários são geradores de poupança privada. São ALTAMENTE benéficos para nossa economia. Como temos pouca poupança privada, o governo acaba “tomando” tudo e pouco sobra para investimento produtivo (apenas juros).
Se houvesse MUITA oferta de poupança privada (muitos superavitários), o custo do dinheiro cairia, as empresas poderiam se financiar sem depender de subsídios governamentais, etc.
Grupo 4 – Grupo 10%-10%– Classes pouco Superavitárias
Chamei de 10% – 10%, mas poderiam ser outros percentuais BAIXOS.
São as pessoas que conseguem poupar e investir.
Por que coloquei 10% como se recebesse algo do governo?
Porque o governo é o maior devedor da nação, provavelmente o investimento dessa família, direta ou indiretamente, receberá juros do governo.
Com dívida pública bruta de mais de R$ 4 trilhões, sobra muito pouco para receber juros de dívida privada.
Se a família guarda 10% do que ganha, sua carga tributária seria (supondo classe A e B):
Ganha R$ 20.000, guarda R$ 2.000, paga R$ 4.000 de IRPF e sobram R$ 14.000. Consome os R$ 14.000 e paga 40% de imposto sobre o consumo.
No total repassaria de imposto R$ 4.000 da renda + R$ 5.600 de consumo = R$ 9.600, de um total de R$ 20.000. 48% de carga tributária antes dos juros.
E o recebimento de juros?
Em 1 ano juntando 10% da renda, daria para acumular (a 0,35% de juros líquidos de impostos e inflação), cerca de R$ 24.500, o que daria de juros cerca de R$ 85 por mês no segundo ano.
Como já descontamos a inflação, dá para projetar a carga tributária decrescente do superavitário.
Relembrando que estamos tratando de fluxo financeiro da fazenda pública como carga tributária.
O volume de juros recebidos ZERARIA a carga tributária desse indivíduo em 42 anos.
Acumulando a 0,35% ao mês, ele teria um montante de R$ 2,62 milhões no ano 42 e receberia, de juros mensais (0,35% ao mês), mais do que os R$ 9.600 que paga de CARGA tributária direta.
O fluxo de tributos e juros com a fazenda pública faria a pessoa passar de 48% de fluxo negativo tributário para 0% em 41 anos. Claro, considerando os juros gigantescos de hoje.
Grupo 4 – Grupo X%-40%– Classes MUITO Superavitárias
Aqui há 2 pontos. Normalmente quem é MUITO superavitário, paga menos imposto de renda, às vezes não paga nada.
Mas vou considerar que pagam os mesmos 20% das classes altas pouco superavitárias (ou em equilíbrio).
Uma pessoa com renda de R$ 80.000 por mês e que poupa 40% da renda teria a seguinte configuração mensal:
Dos R$ 80.000, R$ 16.000 iriam para o IRPF, R$ 32.000 iriam para a poupança e R$ 32.000 para consumo (o que dá R$ 12.800 como imposto sobre consumo).
A carga tributária desse grupo já partiria de 36% (R$ 28.800 em R$ 80.000).
Pra “zerar” seu fluxo negativo com a fazenda pública (supondo que recebe juros APENAS do governo), levaria 15 anos. Os juros mensais seriam de R$ 28.800 no ano 15 e equilibrariam o fluxo de impostos pagos.
Alguns leitores devem estar pensando que são esses os “marajás” brasileiros. Ledo engano. Estes estão na ponta dos bons moços do orçamento. Fazem esforços de poupança, destinando parte para o financiamento do gasto público. Em sua maioria são trabalhadores ou empreendedores bem sucedidos que geram empregos e divisas, não são cupins de orçamento, pelo contrário.
Grupo 5 – Donos do orçamento público
Esse grupo não tem carga tributária calculável. São os comandantes do orçamento público. Não estou falando de servidores que trabalham e recebem apenas seus vencimentos, dentro das normas republicanas, dentro dos tetos constitucionais etc., estes estão em algum dos grupos acima.
Falo dos que têm acesso e poder sobre o orçamento público para, dentro da lei, incluir benefícios que, praticamente, fazem com que o estado retire qualquer preocupação de subsistência de suas vidas.
Se o servidor tem sua saúde integralmente custeada pelo Estado (privada, nos melhores hospitais), se conta com auxílio para moradia, mesmo morando em sua cidade natal ou tendo imóvel próprio na cidade, se não precisa se preocupar com custos de vestimenta, se não paga por sua própria gasolina, se o Estado reembolsa as melhores escolas para seus filhos, se, com uma canetada, decide sobre o orçamento como lhe convier, criando benefícios retroativos, criando espaço para que sua necessidade de caixa seja satisfeita pelos cofres públicos, ele estará na melhor situação tributária do Brasil. Isso é melhor que ser rico.
Não precisará de esforço de poupança. Não precisará se preocupar com sua subsistência, mesmo que viva em altíssimo nível.
Não há que se falar em carga tributária para quem tem o orçamento público à sua disposição.
Normalmente os servidores do executivo (federais, estaduais ou municipais) não estão nessa categoria. Não fazem as leis e não tem orçamento próprio.
Já no legislativo e no judiciário, seja por fazerem as leis ou por terem poder discricionário sobre o seu orçamento, o risco de distorções como essas é bem maior.
E não falo de “orelhada”. Vi na minha família.
Meu avô era aposentado do Senado. Como taquígrafo. Ganhava, antes de morrer há alguns anos, uns R$ 30.000 por mês.
Eu não lembro de meu avô trabalhando no Senado. Acho que trabalhou, no máximo, uns 10 a 12 anos lá. No final da década de 1960 já cuidava de seu negócio no RJ.
Meu avô adoeceu e, antes de morrer, passou uns 200 dias (num período de 3 ou 4 anos) no Pro Cardíaco, um dos mais caros e melhores hospitais do RJ.
Não custou menos de que R$ 5 milhões ao Senado, chutando baixo. Várias operações com os melhores médicos.
Tem gente que se sente à vontade quando um familiar tem um benefício extravagante, ainda que legal.
Eu não. Como escrevi no artigo sobre Kant, o comportamento moral pressupõe que nossos atos (e também os atos que recaem sobre nós), possam servir de regra universal.
É impossível, para mim, não ficar incomodado com algo tão extravagante e desproporcional.
O que fazer para reduzir a injustiça tributária brasileira?
Já dá para ver que a chave é o uso do orçamento público.
O grupo que vive de renda baixíssima proveniente do Estado não traz qualquer transtorno relevante para o orçamento público. Provavelmente até traz benefícios. Aqui o ponto é, tão somente, exigir contrapartidas que tenham sinergia com o desenvolvimento do país e dessas pessoas. Escola, cultura formal, esportes etc.
Quanto aos grupos que vivem no limite de suas rendas, não há mais sacrifícios a demandar. Ao contrário, deveriam ter alívio dessa carga tributária. Tanto na parte da renda quanto na parte do consumo.
Quanto aos grupos superavitários, o Brasil precisa fazer o dever de casa. Tem que “precisar” menos de financiamento privado, “precisar” menos de dívida. EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO. Isso acontecendo, os juros cairiam e boa parte da poupança dos superavitários iria para projetos de risco privado.
Tivemos isso no Brasil, quando os juros da dívida pública (meta SELIC) estavam em 7,25% ao ano. Grande migração para projetos privados mais arriscados. Já escrevi sobre como perdemos esse momento. Tem que voltar.
Já no grupo que comanda orçamento público próprio, é preciso que entendam em que situação está o Brasil.
Há um número relevante de servidores que recebem além do teto constitucional. Há um número significativo de valores pagos a título de benefícios extravagantes. Benefícios que nem mesmo grandes empresas na iniciativa privada conseguem pagar.
Tudo (ou quase tudo) dentro da lei e do normativo dos órgãos e poderes.
Há as “garantias constitucionais” dos direitos adquiridos.
Mas é preciso lembrar que o direito adquirido, que tem por base o orçamento público, é também dever imposto a terceiros, pois deverá ser pago com deveres do contribuinte. O direito de um sobre o orçamento público é sempre dever do outro, contribuinte desse orçamento.
Eu não tenho ideia do volume de recursos que o respeito ao teto constitucional ou a extinção (ou redução a valores razoáveis) de benefícios extravagantes poderia economizar.
Mas não é o ponto. Evidentemente não é o ponto.
É o pacto social. Não me parece que o sacrifício de pagar 40 a 52% da renda, sem conseguir poupar nada, endividadíssimo (isso é outro problema), de 85% dos contribuintes deva ser destinado a extravagâncias e superpoderes sobre o orçamento público.
O ajuste virá.
É recomendável que os poderes RECONHEÇAM sua posição destoante na realidade brasileira, e proponham soluções parcimoniosas e adequadas ao orçamento público.
A continuar o desastre orçamentário brasileiro haverá espaço para lideranças diversas, de liberais a populistas, bastante hostis ao uso despudorado do orçamento público.
Recentemente (atualizo este artigo em novembro de 2016), o Estado do Rio de Janeiro está estudando impor contribuições previdenciárias extras que podem fazer os descontos irem até 30% do salário dos servidores para sanear a previdência. A regra na iniciativa privada é essa, se há rombo atuarial, todos são chamados a saldar. É lei. É justo, pois no mundo privado, se não há dinheiro para pagar, não há direito a garantir.
O caminho é traumático, mas o orçamento e o endividamento atingiram situações de calamidade.
Está na hora de quem comanda o próprio salário, os próprios benefícios e as próprias regras, tudo baseado em orçamento público, oferecer sua cota de sacrifício. Será bem menor do que a de todos os outros contribuintes.
Ou é isso, ou veremos a quebradeira do Estado brasileiro em não mais que 3 anos.
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