Archive for abril \12\-03:00 2020
E se o Banco Central (DE FATO) emprestasse dinheiro pra nós? Agora falando sério.
Prezados,
No vídeo em que brinquei sugerindo que o BACEN poderia emprestar dinheiro para as pessoas físicas, muita gente levou a sério.
Pois bem, o vídeo era uma brincadeira, pois não fiz uma avaliação mínima sobre a viabilidade, mas dado o interesse que chegou até mim, e as dúvidas, pretendo esclarecer alguns pontos.
A ideia, para quem não viu o vídeo, seria simples. Assim como o BACEN está agora autorizado a emprestar diretamente para empresas, poderia emprestar para pessoas físicas quitarem seu brutal endividamento.
Os bancos centrais do mundo inteiro regulam a oferta de moeda. Desde 2008 os BCs pelo mundo têm tentado capitalizar o sistema financeiro para que os bancos repassem esse crédito para investimentos. Sem sucesso. Destruiu a rentabilidade dos bancos, aumentou a alavancagem e nada de gerar grande crescimento econômico. Um fracasso que está cobrando seu preço agora, nessa crise do COVID19.
E esse insucesso é porque as pessoas não tomam o crédito. Nem as empresas. É dinheiro demais e projeto de menos.
No Brasil temos, hoje, o mesmo problema, com uma “pitada de sal tupiniquim”. O dinheiro liberado às centenas de bilhões pelo BACEN está “empoçado” nos bancos. E os motivos são óbvios. Tomar crédito em banco, no Brasil, é mortal. O banco se capitaliza a 3,75%, ou perto disso, e repassa a 20%, 30%, 300%.
Outro problema é que os bancos estão negando 60% do crédito. E não estão errados, há previsão de quebra de até 80% de restaurantes, por exemplo, se o lockdown durar 2 meses. Vão emprestar para quem vai morrer em 2 meses?
Bom, não está funcionando dar liquidez aos bancos para emprestar. E não vai funcionar.
- Isso não é imprimir dinheiro
Acho que a primeira dúvida que todos têm é se isso não seria “imprimir dinheiro”. Precisamos esclarecer o que é imprimir dinheiro.
O BACEN regula a oferta monetária aos trilhões. Uma pequena mudança nos compulsórios ou em regras prudenciais dos bancos pode liberar ou retirar de circulação centenas de bilhões de reais.
Isso NÃO é imprimir dinheiro. Isso é regular a oferta de moeda e buscar meta de juros.
As pessoas estão CERTAS ao dizer que isso, por si, não gera inflação, pois é como o processo de acelerar ou frear um carro. Se queremos manter o carro a 80 por hora, vamos ter que frear numa ladeira íngreme, e acelerar fortemente numa subida.
Imprimir dinheiro é uma coisinha específica: Usar o BACEN para financiar diretamente os gastos do governo. É emitir títulos e o BACEN usar sua liberdade para ampliar a base monetária para comprar os títulos no MERCADO PRIMÁRIO.
Isso é “imprimir dinheiro” como?
Simples. O BACEN trabalha no mercado SECUNDÁRIO de títulos públicos. Portanto ele não atua dando liquidez ao caixa do governo central diretamente, mas apenas regulando a oferta de dinheiro e títulos
E para isso tem um “colchão de liquidez” colossal, há pouco tempo era coisa de quase R$ 1 trilhão.
Essas ações no mercado secundário é que permitem a regulação da taxa de juros e da base monetária.
Mas esses títulos foram originalmente emitidos para terceiros no mercado primário, o BACEN só regula seu fluxo de demanda e oferta no mercado secundário (dívida já tomada e assumida por terceiros). Há uma forma do governo capitalizar o BACEN diretamente, para evitar que este fique sem títulos para regular o mercado, mas isso também não é financiar o Tesouro, pois o BACEN não paga ao governo pela emissão de títulos, apenas é capitalizado com eles.
Imprimir dinheiro é o BACEN aumentar, por exemplo, a base monetária em 500 bilhões e usar essa liquidez para comprar títulos DIRETAMENTE do Tesouro, dando grana para o governo gastar.
Isso é proibido pela CF e por todo o arcabouço que nos tirou da hiperinflação. Se voltar, a inflação começará em 10%, depois 20% e não há limite. Estou certo disso, pois é a história do Brasil, a história da Argentina, do Zimbábue, da Venezuela etc.
Claro que o leitor pode acreditar que os políticos vão mudar as leis e a constituição federal para imprimir dinheiro “só essa vez”. Eu não me permito essa ingenuidade.
- Isso não é a proposta do Ciro. Banco Comercial não tem condição de regular oferta monetária.
Ciro queria usar o Banco do Brasil para quitar as dívidas do pessoal do SPC. O BACEN cria moeda, ele existe justamente para regular liquidez do sistema. E faz isso às centenas de bilhões regularmente.
Bancos comerciais não tem essa “bala na agulha”. Suas disponibilidades não fariam cócegas no sistema monetário. BB e caixa, juntos, não têm R$ 30 bilhões de disponibilidades, e comprometida com seus correntistas. O resto do balanço é ativo comprometido com passivo. Não dá para “usar”.
Basta olhar para o passado recente pós-crise de 2008 para ver que bancos não conseguem nem mesmo dar vazão à liquidez que os bancos centrais injetaram nos Quantitative Easing.
Um banco comercial não pode ser voluntarioso na concessão de crédito, pois quebra. E rápido, com uma inadimplência grande. Além disso vive de spread, tem custos elevados e alta inadimplência. E limitações para cobrança.
No caso específico de usar o BB, tem que combinar com os acionistas privados, pois é companhia aberta. Provavelmente, na assembleia, isso seria rejeitado e, provavelmente, o controlador não poderia votar, por ter interesse particular no caso.
- BACEN não é banco comercial
Se alguém inadimplir com o Itaú, poderá passar a vida inteira sem se relacionar com o Itaú. Mas não poderá passar a vida inteira sem se relacionar com o governo.
As formas de “cobrança” de um empréstimo do BACEN para CPFs são, potencialmente, infinitas, dado que todo CPF se relaciona com o governo diariamente através do seu consumo e da receita federal.
Basta uma lei para garantir o pagamento através das rendas declaradas do devedor. Basta estar no mercado formal de trabalho, basta declarar IR, enfim, ele vai pagar.
- Prejuízo do BACEN não é prejuízo de Banco comercial
O BACEN consegue absorver prejuízos gigantes, os bancos comerciais já quebram com um prejuízo razoavelmente pequeno. Um prejuízo de R$ 20 bi para o Banco do Brasil iria gerar uma enorme necessidade de capitalização, para recuperar a capacidade de emprestar (regras prudenciais). O banco, ou quebra, ou fica muito menor.
Isso não existe para o BACEN. O prejuízo dele é de fluxo, não compromete seu patrimônio e ele não está sujeito às mesmas regras prudenciais de bancos comerciais.
- A brincadeira do vídeo NÃO falou de emprestar dinheiro para as pessoas gastarem, mas para aliviar o endividamento e seus efeitos.
A ideia não era capitalizar as pessoas para gastarem, mas para trocarem suas dívidas caras, por dívidas baratas.
Trocar um consignado a 20% ao ano por um empréstimo a 3,75% permitiria conceder uma carência de até 6 meses e ainda voltar com uma prestação menor.
Por exemplo, R$ 50.000 para pagar em 60 meses, a 20% ao ano + IOF, taxas bancárias, taxa de administração, tarifa de abertura de crédito etc., geraria uma prestação próxima a R$ 1.350 por mês.
Tomando no BACEN com juros de 3,75% e sem parte dos custos acima (BACEN não é instituição comercial), seria possível dar 6 meses de carência (o principal iria para R$ 50.928) e a prestação, quando voltasse, seria de R$ 930.
Em conta de padaria, seria um alívio de quase R$ 25.000 no período inteiro do empréstimo.
Se pegarmos dívidas mais caras, como para comprar carro, CDC etc., o alívio é ainda maior.
- Problema número 1: excesso de liquidez?
Vamos considerar que o BACEN se prepare para absorver 500 bilhões da carteira livre de crédito a pessoas físicas. É muito, mas menos de 10% do crédito ampliado a empresas e pessoas físicas. É muito, provavelmente não seria necessário tanto, a carteira de consignados total é de pouco mais de R$ 140 bi.
Isso funcionaria como uma “brincadeira” de ciranda no próprio sistema financeiro. Esses 500 bi voltariam às carteiras dos originadores do crédito (bancos), pois os empréstimos seriam quitados. Isso viraria “liquidez”, provavelmente indesejada, pois os bancos não teriam para quem emprestar imediatamente.
A liquidez pode ser enxugada pelo próprio BACEN, ou seja, o dinheiro acabaria voltando para o Banco Central, podendo ser liberado no futuro em um momento de economia aquecida.
Em resumo, o BACEN emprestaria, e o dinheiro voltaria para o próprio BACEN. Não há motivo para alarde nesse movimento. É como funciona o jogo.
- Problema número 2: A queda nos “negócios bancários”
Preferi escrever negócios bancários do que lucro dos bancos.
Haveria, obviamente, um enxugamento nas carteiras de crédito de onde os bancos tiram spreads expressivos. Mas não é nada substantivo e não há a menor possibilidade de quebrar bancos, pois, ao contrário, eles aumentariam sua liquidez com a quitação antecipada de empréstimos.
O que vai acontecer é uma queda no lucro. As carteiras de crédito direcionado e outros não será afetada, e grande parte do “negócio bancário” estaria preservado.
Mas, obviamente, teríamos uma redução razoável no lucro dos bancos. E duradoura, pelo menos de 3 a 5 anos, enquanto durar a recessão (ou depressão).
O que poderia acontecer, após essa crise MONUMENTAL que estamos contratando, e que ainda é desconhecida, seria o próprio BACEN vender essa carteira para os bancos comerciais.
Como o BACEN não tem estrutura de banco comercial, provavelmente a operacionalização dessa troca de dívidas seria feita através dos próprios bancos comerciais, aquela “queda na prestação” e a carência nós perceberíamos mantendo nosso empréstimo no próprio banco de origem, que ganharia apenas pela operacionalização (a tal taxa de administração), mas perderia o spread.
Uma carteira de R$ 500 bi a 3,75% poderia ser vendida por R$ 370 bi para que os bancos ganhassem os mesmos 20% ao ano.
O BACEN perderia R$ 130 bi, o que, repito, não é de forma alguma grave para o sistema financeiro.
Na verdade, R$ 130 bi de custos para aliviar 50 milhões de famílias e/ou indivíduos não é nada. Peanuts. Além de não ser “gasto público”, mas uma redução na carteira do BACEN.
Nada disso é trânsito de dinheiro no caixa do governo. É só controle de liquidez.
Os bancos centrais do mundo inteiro têm aumentado suas carteiras fazendo exatamente isso, mas comprando essas carteiras podres de crédito diretamente dos bancos, e também títulos de empresas.
É praticamente a mesma coisa, mas não gera qualquer alívio para o tomador de crédito na ponta.
Em países desenvolvidos esse alívio não seria tão grande, pois os juros já são extremamente baixos, mas no Brasil, chegam a 20%, 30%, 50% até 350% ao ano.
Com juros de 3,75% na SELIC é até difícil explicar a existência de linhas de crédito a 15% ao mês. AO MÊS.
Talvez esse “tranco” do BACEN funcione até como um gatilho para que os spreads caiam na marra.
- Questões ideológicas.
As pessoas refratárias ao proposto, normalmente baseiam-se no conceito de Moral Hazard (risco moral) ou no princípio de que as pessoas não devem ser “salvas” pelo governo.
Compreendo e acho que estão certas.
Mas, infelizmente, esse “salvamento” pelo governo acontece diariamente nas operações corriqueiras do próprio BACEN. Sempre que há um evento de liquidez, um default, o banco acaba absorvendo algum prejuízo para manter o sistema funcionando.
O BACEN foi autorizado a comprar títulos de empresas pequenas. Empresas para quem os bancos não vão emprestar, pois o risco de colapsarem é gigante, se a economia permanecer mais algumas semanas fechada.
A operação de salvar empresas pequenas é MUITO MAIS arriscada e com muito mais moral hazard do que emprestar para pessoas físicas.
De que adianta uma promissória de uma empresa que pode falir em dois meses? O BACEN não tem instrumentos para recuperar esse crédito. E só vai recuperar parte disso.
Uma pessoa física, salvo em caso de falecimento precoce, permanecerá oferecendo seus fluxos de caixa para quitar o empréstimo.
Enfim, só não fazemos isso por questões de princípios mesmo.
Não gosto da ideia em tempos normais, mas em tempos em que o próprio governo determinou o fechamento de empresas e contratou o desemprego de uns 15 a 20 milhões de brasileiros (a mais do que já tínhamos), é algo a considerar.
PS. Este é apenas um artigo exploratório, dado que algumas pessoas levaram a sério o vídeo que fiz sugerindo, em tom de brincadeira, que o BACEN emprestasse dinheiro para nós. Não pretende ser uma proposta de nada, apenas ideias sobre um debate incipiente e inédito no Brasil.
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E se o Banco Central emprestasse dinheiro pra nós?
Caros leitores,
Em tom de brincadeira, discuto a possibilidade de o Banco Central, em vez de capitalizar os bancos para suportar a inadimplência crescente, capitalize as pessoas para evitar que deixem de pagar suas dívidas.
Só entre aposentados há 30 milhões de pessoas com salário comprometido com consignados. Por que não trocar a dívida de 20% ao ano deles por uma dívida com o BACEN de 3,75% ao ano?
Bom, isso tudo é proibido e provavelmente seria rechaçado pelo sistema bancário, mas uma brincadeira para descontrair não faz mal algum nesses tempos tensos de COVID19.
Divirtam-se. E sonhem… rsrsrs
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Corremos o risco de um confisco de poupanças ou de corrida bancária?
Caros leitores,
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Salvar as pessoas ou salvar a economia? Quem está certo?
Caros leitores,
Esse é um dilema antigo em filosofia da moral, entre utilitaristas e kantianos (universalistas ou defensores de uma moral universal).
A filosofia clássica, porém, nunca resolveu esse dilema.
No vídeo (resumindo um conteúdo de 10 horas em 8 minutos), mostro as falhas da filosofia clássica para enfrentar esse dilema e mostro nosso pior problema filosófico nessa luta.
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O Governo pode imprimir dinheiro para nos tirar do buraco? Como financiar a economia sem poupadores?
Caros leitores,
Dando continuidade aos vídeos sobre Economia e COVID19, faço uma atualização das ações dos governos para enfrentar a questão econômica e discuto as possibilidades para o governo brasileiro.
1. Podemos emitir títulos sem limite?
2. Podemos imprimir dinheiro?
3. Empréstimo compulsório e um futuro mar de precatórios?
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