Balanceamento de carteira 1995 a 2017, o que aconteceu?

Posted on 09/11/2017. Filed under: Administração, Finanças, Matemática |

Um dos estudos mais badalados que publiquei no livro O Mercado de Ações em 25 Episódios foi o que tratava do balanceamento de carteira de investimentos, como forma de aproveitar o melhor dos mundos da renda fixa e da renda variável.

Tratava-se de iniciar uma carteira com 50% em renda variável e 50% em renda fixa. Quando a diferença entre os montantes atingisse 30%, por exemplo, deveríamos retirar recursos de onde houve valorização e colocar onde houve desvalorização.

Por exemplo, se a bolsa disparasse e atingisse 65.000, enquanto a renda fixa permanecesse em 50.000, deveríamos vender 7.500 em ações e aplicar em renda fixa. Teríamos ao final, 57.500 em cada tipo de investimento na carteira balanceada.

Essa é uma técnica para evitar os sentimentos irracionais do investidor que, por natureza, se assusta quando a bolsa desaba e pensa em vender, assim como ao ver a bolsa disparar fica lamentando não ter colocado mais dinheiro, e desanda a colocar mais. Além de permitir que, num momento de baixa expressiva da bolsa, haja recursos em renda fixa para aproveitar a queda.

As principais lições

As principais lições do estudo são três. A primeira é que NÃO adianta fazer ajustes com oscilações pequenas, tipo 5% ou 10% de diferença. Tanto pela complexidade, quanto pelo custo de fazer centenas de operações, e também pelo simples fato de que fazer o ajuste com patamares maiores 20%, 30% ou 40% dá resultados melhores.

A segunda é que os resultados, se tomadas em prazo curto (5 a 8 anos), dependerão MUITO do início da renda variável. Se começarmos com a bolsa muito barata, teria sido melhor investir tudo em bolsa, assim como se tivermos começado com a bolsa muito alta (cara), teria sido melhor investir em renda fixa apenas (colocar os R$ 100.000 em renda fixa e não balancear). Mas quando vamos para horizontes maiores, esse “início” faz menos diferença.

Por fim a lição principal é que, ao seguir o método, seremos racionais sempre e, no longo prazo, isso fez uma diferença enorme, tanto em aumento de retorno quanto de redução de risco.

Aos leitores recomendo a leitura dos artigos originais, estão no blog e no livro. Aqui vamos apenas atualizar os resultados para um horizonte de quase 23 anos.

Resultados para o período de quase 23 anos.

Para um horizonte longo fica bem evidente não apenas os bons resultados do método, mas principalmente a redução dos riscos.

Peguemos o ano de 1995, o primeiro da análise (antes de 1995 não havia moeda no Brasil, de forma que o estudo ficaria excessivamente complexo e sem sentido).

O Ibovespa do início do ano estava em 4.319 pontos. Se colocássemos R$ 50.000 em renda fixa e R$ 50.000 em renda variável no início de janeiro de 1995 e fizéssemos o balanceamento de carteira cada vez que o montante de uma aplicação ultrapassasse 30%, teríamos o seguinte:

  • Teríamos feito 19 operações de balanceamento.
  • Se os R$ 100.000 tivessem sido investidos em Renda Variável apenas, teriam se tornado R$ 1.720.000.
  • Se os R$ 100.000 tivessem sido investidos em Renda Fixa apenas, teriam se tornado R$ 1.816.000.
  • Se os R$ 100.000 tivessem sido investidos metade em Renda Fixa e metade em Renda Variável fazendo o balanceamento, teriam se tornado R$ 2.487.000. 37% a mais do que investindo apenas em renda fixa e 45% a mais do que investindo apenas em renda variável.
  • Nos últimos 60 meses (de setembro de 2017 para trás), o valor investindo na carteira balanceada seria MAIOR do que o valor investindo em apenas um tipo de ativo em 100% dos meses.

Essas conclusões ficam claras no gráfico:

Perceba que a carteira balanceada, na maioria das vezes, esteve acima do investimento individual nos ativos.

Os piores anos para o balanceamento.

É importante colocar que estamos terminando o início dos aportes no ano de 2009, para que tenhamos um horizonte superior a 8 anos de investimento. Como já dito, no curto prazo, a dependência do “momento” é muito grande e distorce a prática de balanceamento, que deve ser pensada como gestão de longo prazo.

Nos 15 anos analisados (anos base de 1995 a 2009, de início do investimento), o método do balanceamento teria sido PIOR que investir tudo em Renda Variável apenas para quem começou no ano de 2003. O que faz sentido, pois viemos de uma dúvida econômica grande com a eleição e a bolsa tinha caído bastante. Como teríamos comprado “barato”, o investimento em Renda Variável teria vencido. Apenas para quem começou a investir nesse ano. Veja o Gráfico:

De qualquer maneira é muito evidente a redução da volatilidade (e do risco) para quem investiu na carteira balanceado.

Interessante também notar que a diferença não foi tão grande, de R$ 659 mil para R$ 625 mil (da RV para a balanceada). Mas em relação à renda fixa a diferença foi enorme. De R$ 625 mil para R$ 422 mil em RF.

De 2003 para hoje seriam quase 15 anos completos, perceba que, no início, como compramos a bolsa muito “barato”, o investimento em RV ganha quase sempre, pois os prazos são curtos. Já a partir dos últimos 5 anos, há bem mais equilíbrio entre a RV e o balanceamento. Na verdade, foram 40 meses em que a RV estaria na frente e 20 meses em que a balanceada estaria na frente. Pelo histórico da análise, não será surpreendente se nos próximos 60 meses essa lógica se inverter e a balanceada passar a ganhar na maioria dos meses.

a Renda Fixa (RF) teria vencido em 3 oportunidades, para quem iniciou seus investimentos em 2006, 2007 e 2008. Também faz sentido, pois foram os anos de recorde da bolsa, ou seja, compramos caro. Agora é que estamos batendo os patamares atingidos em 2008 e 2009.

No ano de 2008 a diferença foi a pior em favor da RF, com R$ 225 mil contra R$ 179 mil da balanceada e pífios R$ 116 mil da renda variável (pois 2008 se iniciou a 63 mil pontos o Ibovespa).

Vejamos o gráfico:

Mais uma vez se percebe redução da volatilidade e da eventual perda de arriscar investir apenas em bolsa, tendo comprado em um início tão ruim.

Em resumo

Nos 15 anos de início dos investimentos (inícios em 1995 a 2009), a carteira balanceada teria VENCIDO em 11, a carteira de renda variável em apenas 1 ano de início (2003) e a carteira de RF em 3 anos de início (2006, 2007 e 2008). Sendo que, em todos esses anos, houve atipicidades, como mínimas históricas ou máximas históricas.

Se considerarmos um horizonte mínimo de 15 anos, significa que teríamos que contar apenas que começou a investir de 2002 para trás. Nesse caso, o balanceamento teria vencido em TODOS os casos, com ampla vantagem na quantidade de meses em que esteve à frente das outras opções (considerando apenas os últimos 5 anos).

Por que funciona?

Na verdade, não há qualquer mistério no ocorrido, apenas reflete uma conduta racional, com parâmetros quantitativos claros. É extremamente provável que uma ação objetiva (balancear a cada 30% de diferença) que vai garantir comprar bolsa quando estiver barata (relativamente, não absolutamente) e vender bolsa quando estiver cara, traga melhores resultados no longo prazo do que tentar acertar.

Não é, entretanto, garantia de sucesso futuro. Como vimos, para períodos menores, houve momentos em que o balanceamento perdeu.

Parece uma panaceia, uma grande estratégia, que deveria ser seguida por todos. Parece mesmo, mas não é seguida por todos e provavelmente não será. E é fácil explicar.

Em quase 23 anos, de 1995 a 2017, o investidor teria feito APENAS 19 operações em 273 meses. Não há emoção.

Outro ponto é que, dificilmente alguém vai seguir os parâmetros de forma precisa (30%), muito provavelmente vai “achar” que a hora é outra e vender com diferenças menores. Seja por “intuição” ou por tédio mesmo.

E investidores profissionais, gestores de fundos, precisam se diferenciar, portanto se arriscam mais. Principalmente porque esse método é excepcional no longo prazo, mas nos primeiros anos é muito volátil e pode deixar os cotistas dos fundos ressabiados com a competência do gestor.

Mas para o pequeno investidor que quer evitar a “síndrome da troca de pernas”, que é comprar na alta e vender na baixa, ou que não quer ser uma mão Dinah da bolsa de valores para adivinhar o momento, o método é um guia anti-vacilo.

Não é panaceia, mas é racional e manterá o investidor na racionalidade básica do mercado que é, comprar na baixa e vender na alta. Comprar na “mais baixa” e vender na “mais alta”, não é racional é Lei de Bicks ou de Schultz. Popularmente, é chute.

Ps. Alerto que isso NADA tem a ver com análise gráfica, estamos falando de 19 operações em 273 meses e não de 273 operações em 19 segundos. São objetivos diferentes.

Baixar a planilha aqui.

 

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20 Respostas to “Balanceamento de carteira 1995 a 2017, o que aconteceu?”

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Portinho, excelente artigo. Vi na planilha usada para os cálculos que você aplica redutor de 20% na SELIC mensal (não sei se por causa do IR), mas não aplica redutor algum no IBOV. Por que isso? Se a SELIC estiver sem o redutor, vejo que a Renda Fixa ganha da carteira balanceada praticamente todos os anos desde 1995. Poderia explicar melhor essa questão?

O redutor é pelo IR e pelo custo de administração que era gigante até pouco tempo atrás. O investimento em bolsa traz formas de não pagar o imposto, como por exemplo a possibilidade de vender a parte da carteira que está com prejuízo ou se aproveitar do limite de venda sem imposto.
Mas o principal foco do artigo é na disciplina que o método traz.

Atualizei sua planilha até maio/2020 e sem o usar o redutor na SELIC. Nessa planilha atualizada a carteira balanceada era vencedora em jan/20, mas com a queda forte no IBOV por causa do COVID, voltou a ficar abaixo da Renda Fixa, mas dada a recuperação que estamos vendo no IBOV em dois ou três meses a balanceada volta a ser vencedora. Dado o espaço amostral pequeno, 25 anos, se comparado com o mesmo estudo do Benjamin Graham (que tinha 200 anos de NYSE para analisar), acredito que a carteira rebalanceada a cada 30% de diferença tem o potencial sim para ser vencedora em prazos mais longos (desde que o Brasil não vire uma Venezuela), e mesmo nesse prazo pequeno já podemos ver que a balanceada segue muito próximo da carteira monoativo mais vencedora e com volatilidade bem reduzida também.

E a tendência parece ser de juros reais muito baixos.

[…] comprar na RV quando todos estiverem vendendo, o longo prazo vai chegar da melhor forma possível. Nesse artigo, a explicação desse mecanismo é bem […]

Excelente Post Portinho, parabéns pelo estudo, certamente essa é a melhor forma de se manter coerente em momentos de maior oscilação do mercado. Só questiono a proporção 50%/50%, acho muito agressivo, mas sei que facilita bastante o estudo da estratégia.
Abraço.
https://holderbovespa.blogspot.com.br/

Portinho, ótimo artigo. Pergunta, e os FIIs, como entram nesse portfolio balanceado? e incluindo os fiis, qual seria o limiar de rebalanceamento?

Oi Jairo, os FIIs não são tão voláteis como a renda variável e nem tão estáveis como a renda fixa pós-fixada. Se for usar FII creio que é melhor considerar como parâmetro de renda fixa, pois não vão desabar ou disparar como a bolsa e as ações.

Muito obrigado, Portinho.

No caso da renda fixa ser tesouro direto, devo considerar o valor teórico ou de marcação a mercado?

Oi Evandro, utilizei pós-fixado, onde a variação é menor. Marcação a mercado.

Perfeito, Portinho!

Sou seguidor desse métodos há mais de uma década e reforço a eficácia de sua teoria. Fiquei interessado na sequência. Você interrompeu a análise em 2009?

Caso a análise tivesse prosseguido, eu iria disponibilizar um link na minha postagem sobre Alocação de Ativos, que envolve 4 pilares. Seria um exemplo prático muito útil, mesmo com dois ativos.

Deixo o link do artigo aqui, pois a ideia é realizar uma alocação da carteira de uma forma simples, mas muito segura. Talvez interesse ao leitor Lucas ou aos demais. Abraço!

http://www.viagemlenta.com/2017/05/a-alocacao-de-ativos-ao-alcance-de-todos.html

Oi Andre, parei em 2009 por que em períodos mais curtos (menos de 8 anos) o método fica dependente demais do momento de início na bolsa.

Portinho, parabéns pelo artigo, muito bom.

Eu já tinha ouvido falar nesse método pra diminuir riscos, mas ainda tenho uma dúvida.
O teste, pelo que eu entendi, é feito com um valor fixo no começo e depois acontece os balanceamentos, mas e se eu continuar investindo todo mês algum valor, como devo fazer?
Por exemplo: invisto 100 mil e divido em RF e RV e todo mês invisto mais mil reais.
Como seria a alocação desses mil reais? Metade em cada um?

Obrigado pela atenção

O ideal é dividir ou na mesma proporção que estiver, por exemplo, 55% – 45% ou para não complicar 50%-50%. Se o valor for pequeno em relação ao montante não fará tanta diferença. Mas o ideal é dividir na proporção que estiver para não mascarar as variações.

já vi outra pessoa que diz que deve aportar todo no que estiver para tras. Fiquei na duvida agora

Oi Hudson, se o valor do aporte for pequeno em relação ao montante, será pouco expressivo, mas se for grande pode distorcer os gatilhos de balanceamento. O mais correto seria distribuir na mesma proporção em que estiver a carteira, dessa forma não se distorce a variação dada pelo próprio mercado.

Portinho, parabéns pela análise! Sigo acompanhando suas postagens.

Excelente estudo Portinho! Para quem quiser saber mais sobre balanceamento de carteira, recomendo o livro “All About Asset Allocation”, do Richard Ferri.

Obrigado pela indicação.


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    O investidor consciente deve tomar decisões com base em suas próprias crenças e premissas. Tudo que lê ou ouve pode ser levado em consideração, mas a decisão de investimento é sempre pessoal. Tanto na escolha de ações para carteira própria, quanto na escolha de gestores profissionais para terceirização da gestão.

    O Autor espera que os temas educacionais do blog possam ajudar no desenvolvimento e no entendimento das nuances do mercado de ações, mas reitera que a responsabilidade pela decisão de investimento é sempre do próprio investidor.

    Sejam bem vindos!

  • Paulo Portinho

    PAULO PORTINHO, engenheiro com mestrado em administração de empresas pela PUC-Rio, é autor do Manual Técnico sobre o Método INI de Investimento em Ações, do livro "O Mercado de Ações em 25 Episódios" e do livro "Quanto Custa Ficar Rico?", os dois últimos pela editora Campus Elsevier.

    Paulo atuou como professor na Pós-graduação de Gestão Social da Universidade Castelo Branco e na Pós-graduação oferecida pela ANBIMA de Capacitação para o Mercado Financeiro.

    Atuou como professor da área de finanças e marketing na Universidade Castelo Branco e no curso de formação de agentes autônomos do SINDICOR.

    Como executivo do Instituto Nacional de Investidores - INI (www.ini.org.br) entre 2003 e 2012, ministrou mais de 500 palestras e cursos sobre o mercado de ações, sendo responsável pelo desenvolvimento do curso sobre o Método INI de Investimento em Ações, conteúdo que havia chegado a mais de 15.000 investidores em todo o país, até o ano de 2012.

    Representou o INI nas reuniões conjuntas de conselho da Federação Mundial de Investidores (www.wfic.org) e da Euroshareholders (www.euroshareholders.org), organizações que congregam quase 1 milhão de investidores em 22 países.

    Atuou como articulista do Informativo do INI, do Blog do INI, da revista Razão de Investir, da revista Investmais, do Jornal Corporativo e do site acionista.com.br. Foi fonte regular para assuntos de educação financeira de veículos como Conta Corrente (Globo News), Infomoney, Programa Sem Censura, Folha de São Paulo, Jornal O Globo, entre outros.

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