Aracruz e VCP, uma nota triste.

Posted on 26/01/2009. Filed under: Finanças, Política |

Tenho recebido muitas perguntas de detentores de ações preferenciais da Aracruz, com dúvidas sobre sua situação com a compra/fusão com a VCP.
 
A leitura do fato relevante é muito triste. Digna dos piores momentos do mercado de capitais brasileiro. Para quem quiser a leitura na íntegra entre no site da bovespa e procure pelos fatos relevantes conjuntos Aracruz-VCP.
 
Abaixo eu comento, com pesar. Vale o esforço da leitura.
 
Aracruz quebrada
 
Como já havíamos antecipado aqui a Aracruz havia quebrado. A alavancagem da Cia. era insustentável. A perda representava 6 anos de lucros. Representava quase 2 vezes a receita total anual da empresa. Para comparar, o prejuízo declarado da Sadia, que fez estrago semelhante na companhia, representava 1,5 ano de lucro e 12% da Receita Total.
 
Mesmo que saísse dessa, passaria longos anos sem reportar lucros e sem pagar dividendos. Não se consegue pagar R$ 6 bilhões tendo lucros de R$ 1,1 bi rapidamente. O negócio da Aracruz é fantástico, mas a alavancagem financeira é mortal. Que o digam os bancos gigantes da Europa e dos EUA.
 
A compra
 
A VCP vai pagar R$ 2,7 bilhões às famílias Lorentzen, Moreira Salles e Almeida Braga por 28% das ações de controle (ordinárias) da Aracruz, algo como 127 milhões de ações.
 
A VCP vai estender ao outro grupo controlador ARAINVEST (família Safra) o direito de vender os mesmos 28% que detêm, pelo mesmo valor oferecido às famílias citadas acima.
 
Em resumo, para uma empresa cujas ações ordinárias estavam sendo negociadas a R$ 17,20, depois caíram para R$ 2,90 no auge da crise, até que as famílias não devem estar tristes, afinal, a VCP vai pagar incríveis R$ 21,25 por cada ação de controle.
 
Ainda não se sabe se o grupo Safra aceitará, mas não me parece esperto recusar, num momento de crise como esse, um negócio tão extraordinário. Até porque a Aracruz, por ela mesma, só voltaria a valer R$ 21,25 em um futuro muitíssimo distante.
 
E os detentores das ações preferenciais?
 
Para esses, infelizmente, não há informação nesse fato relevante, porém o mercado assume que a VCP oferecerá R$ 2,18 pela ação. Por isso ela desabou na sexta, dia 23/01/2009.
 
Atenção: às famílias, R$ 21,25, aos minoritários (PN) R$ 2,18.
 
Resumo da situação do acionista minoritário
 
As famílias faziam parte do bloco de controle, tinham acesso ao conselho de administração, tinham poderes sobre a direção da Aracruz. As vultosas operações com derivativos forem feitas sob esse controle, apesar das famílias alegarem nada saber sobre o assunto.
 
O minoritário, que nem voto tinha, não poderia e nem deveria ter qualquer controle sobre a administração, entrou apenas como investidor de boa-fé, crendo na condição alegada de empresa bem administrada, com política de caixa conservadora.
 
Mas as famílias nada perderão. Aliás, vão ganhar um prêmio pela venda de controle, pois mesmo se comparado ao valor máximo atingido pela ARCZ3, R$ 17,20, o valor de R$ 21,25 é 25% maior. As famílias ganharão 25% a mais do que a empresa valia ANTES DO ROMBO bilionário.
 
Já o minoritário vai receber 85% menos do que a ação valia antes do rombo.
 
E quem está pagando a conta?
 
Vocês devem estar pensando que esse Antônio Ermírio deve ser um bobão, de fazer esse negócio.
 
Bom, como sabem o BB comprou 49,99% das ações do Banco Votorantim por R$ 4,2 bi, o que já dá um belo aporte no grupo.
 
Agora, o BNDES também vai aportar R$ 1,9 bi na VCP, além de contribuir com mais R$ 828 milhões de aporte com ações ordinárias da Aracruz, de posse do BNDESPAR.
 
A alegação do presidente do BNDES é interessante: Não podíamos deixar as duas empresas se espatifarem.
 
Resumo…
 
Fico imaginando o que pensa um detentor de ações preferenciais, que já perdeu 85% do seu patrimônio, vendo as famílias receberem quase 10 vezes mais do que eles.
 
Esse é o verdadeiro bolsa-família. A fonte dos recursos é a mesma: dinheiro público.
 
Eu, pessoalmente, não lembro de ter visto ou lido nada tão “forte” nos últimos 20 anos. Não encontro paralelo em nenhum negócio “suspeito” feito no Brasil nos últimos 20 anos. Aliás, nos últimos 509 anos. Talvez até os portugueses tratassem os minoritários (nativos) com mais parcimônia.
 
Acreditem, é algo que me entristece demais. Torço, ao menos, para que os acionistas minoritários obtenham algum respaldo na justiça. Mas não são promissoras as chances.
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  • Paulo Portinho

    PAULO PORTINHO, engenheiro com mestrado em administração de empresas pela PUC-Rio, é autor do Manual Técnico sobre o Método INI de Investimento em Ações, do livro "O Mercado de Ações em 25 Episódios" e do livro "Quanto Custa Ficar Rico?", os dois últimos pela editora Campus Elsevier.

    Paulo atuou como professor na Pós-graduação de Gestão Social da Universidade Castelo Branco e na Pós-graduação oferecida pela ANBIMA de Capacitação para o Mercado Financeiro.

    Atuou como professor da área de finanças e marketing na Universidade Castelo Branco e no curso de formação de agentes autônomos do SINDICOR.

    Como executivo do Instituto Nacional de Investidores - INI (www.ini.org.br) entre 2003 e 2012, ministrou mais de 500 palestras e cursos sobre o mercado de ações, sendo responsável pelo desenvolvimento do curso sobre o Método INI de Investimento em Ações, conteúdo que havia chegado a mais de 15.000 investidores em todo o país, até o ano de 2012.

    Representou o INI nas reuniões conjuntas de conselho da Federação Mundial de Investidores (www.wfic.org) e da Euroshareholders (www.euroshareholders.org), organizações que congregam quase 1 milhão de investidores em 22 países.

    Atuou como articulista do Informativo do INI, do Blog do INI, da revista Razão de Investir, da revista Investmais, do Jornal Corporativo e do site acionista.com.br. Foi fonte regular para assuntos de educação financeira de veículos como Conta Corrente (Globo News), Infomoney, Programa Sem Censura, Folha de São Paulo, Jornal O Globo, entre outros.

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